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Toggle“Posso usar o terra como neutro?” – essa pergunta, digitada milhares de vezes no Google, revela uma tentativa tentadora: transformar uma tomada 220 V bifásica em 127 V simplesmente realocando o fio de aterramento.
Embora possa parecer prático e até funcione em certos cenários, a manobra viola a NBR 5410, compromete a ação do DR e multiplica o risco de choque elétrico.
Neste artigo, você aprenderá, em linguagem clara e embasada, por que não se deve usar o terra como neutro, quais são os perigos escondidos, quais normas técnicas regem o tema e quais alternativas seguras existem para chegar aos cobiçados 127 V.
Prepare-se para exemplos concretos, tabelas comparativas e respostas que vão fortalecer suas decisões como eletricista profissional ou usuário consciente.
1. Entendendo o papel do neutro e do aterramento
1.1 Definição e função do neutro
Em um sistema monofásico 127 V, o neutro é o condutor de retorno da corrente.
Ele vem do ponto estrela do transformador da concessionária e, idealmente, mantém potencial próximo a zero volt, garantindo equilíbrio entre as duas metades da armadura secundária.
Quando um aparelho conecta fase e neutro, a diferença de potencial fornece energia e o circuito se fecha com segurança.
1.2 Definição e função do terra
O condutor de proteção (PE), popularmente chamado de terra, não foi feito para conduzir corrente em regime permanente. Sua finalidade é equipotencializar carcaças metálicas, dissipando correntes de defeito para a terra em milissegundos.
Dessa forma, ao ocorrer falha de isolamento, o DR detecta o desequilíbrio e desarma antes que um ser humano vire caminho preferencial.
1.3 Por que são condutores distintos?
Neutro e terra, ainda que ambos façam referência ao potencial zero, possuem funções distintas: um conduz corrente de serviço, o outro correntes de defeito.
Misturá-los faz fluir corrente pelo eletroduto e pela malha de aterramento, expondo eletrodomésticos e pessoas a tensões de toque perigosas. Exatamente o que acontece ao tentar usar o terra como neutro.
2. Sistema TT: o que acontece quando se usa o terra como neutro
2.1 Características do aterramento TT
No sistema TT, a concessionária entrega fase(s) e neutro, enquanto o aterramento do usuário é independente.
Ou seja, a malha de terra do consumidor não é eletricamente contínua com o neutro da concessionária. Há, inevitavelmente, resistência de terra (Rt) entre o eletrodo local e o solo.
2.2 Consequências de ligar fase + terra no TT
Quando alguém converte uma tomada 220 V (fase-fase) em 127 V (fase-terra), o terra se torna o retorno.
Corrente de carga flui pelo condutor de proteção, atravessa a resistência de aterramento e fecha no neutro distante da concessionária.
Resultado: surgem tensões residuais perigosas na carcaça dos equipamentos e até na torneira do banheiro, pois todo o sistema PE “sobe” alguns volts – o suficiente para causar microchoques desagradáveis ou fatais em ambientes úmidos.
2.3 Falha de detecção pelo DR
O DR opera comparando a soma vetorial das correntes nos condutores ativos.
Se fase e terra carregam a mesma corrente, o retorno deixa de passar pelo núcleo do DR, gerando desequilíbrio permanente e disparo imediato (sensibilidade típica 30 mA).
Para evitar isso, muitos usuários removem o DR após a “gambiarra”, anulando a única camada de proteção diferencial.
3. Sistema TN: interligação na origem não autoriza usar o terra como neutro
3.1 Tipos TN-S, TN-C e TN-C-S
No sistema TN, o neutro é aterrado na entrada da instalação – ciência comum em prédios brasileiros com padrão trifásico 127/220 V.
Entretanto, logo após o ponto de derivação, a NBR 5410 exige separação entre condutor de proteção (PE) e neutro (N), salvo em trechos TN-C onde se utiliza um único PEN.
Ainda assim, cada função permanece claramente definida.
| Sistema | Condutores ativos | Ponto chave | 
|---|---|---|
| TT | Fase + Neutro | Terra do usuário independente | 
| TN-S | Fase + Neutro + PE | PE e N separados o tempo todo | 
| TN-C | Fase + PEN | PEN exerce dupla função | 
| TN-C-S | Fase + PEN → N + PE | Separação após ponto de entrega | 
| IT | Fase (isolada) + Terra isolado | Hospitais e UPS críticas | 
3.2 E se o usuário “aproveitar” o TN?
Mesmo em TN, transformar arbitrariamente fase-fase em fase-terra desrespeita a arquitetura do circuito.
Se o ponto de interligação entre PE e N estiver distante (ex.: QDG do prédio), haverá queda de tensão ao longo do condutor de proteção, gerando loops de retorno e dificultando a seletividade dos dispositivos de proteção.
4. Impacto sobre o DR e outras proteções diferenciais
4.1 Desarme instantâneo… ou ausência total
Quando o terra como neutro desloca o condutor de retorno para fora do núcleo do DR, a soma vetorial das correntes deixa de ser zero.
O dispositivo interpreta isso como fuga à terra e dispara mesmo sem falha. Por ignorância, muitos usuários simplesmente retiram o DR – um erro gravíssimo em instalações residenciais, onde o DR é obrigatório em todos os circuitos de tomadas internas e externas.
4.2 Corrente de desequilíbrio permanente
Outro efeito é a circulação de corrente no eletrodo de aterramento.
Em ensaios de campo, mediu-se 5 A fluindo pelo tubo metálico de água de um prédio, conduzidos pela resistência de 2 Ω do solo, criando queda de 10 V entre piso e torneira.
Essa tensão de passo basta para provocar fibrilação ventricular em contato prolongado.
4.3 Sobrecarga não detectada pelo disjuntor térmico
O disjuntor magnético-térmico protege contra curto-circuito e sobrecarga na fase, mas não monitora o caminho de retorno.
Se o terra estiver subdimensionado (2,5 mm², por exemplo) e conduzir corrente de geladeira, micro-ondas e lava-roupas, o condutor aquecerá além do limite, podendo incendiar o forro, enquanto o disjuntor, satisfeito com a corrente “normal” na fase, permanece ligado.
5. Consequências práticas: choques, falhas e danos
5.1 Risco de choque elétrico
O cenário mais crítico é quando a resistência de contato humano fica abaixo da resistência de terra.
Ao tocar a carcaça energizada, a pessoa passa a ser caminho preferencial para fechar o circuito, recebendo corrente de 30-50 mA, suficiente para fibrilação em 0,3 s.
Isso contraria frontalmente o princípio de equipotencialização.
5.2 Danos a equipamentos eletrônicos
Fontes chaveadas modernas referenciam o polo negativo ao terra por meio de filtros EMI.
Se o terra está carregado com corrente de carga, esses filtros se saturam, elevando ruído, provocando reinicializações e encurtando a vida útil de componentes sensíveis.
Laboratórios de TI relatam surtos de 6 Vpp em barramentos USB quando usuários improvisam “terra-neutro”.
5.3 Interferência eletromagnética no áudio e vídeo
Estúdios caseiros sofrem com loop de terra. O condutor de proteção carregado gera queda de tensão na blindagem dos cabos e injeta zumbido 60 Hz em monitores e caixas de som.
O problema é tão recorrente que fabricantes de interfaces de áudio recomendam verificar continuidade do PE a cada visita técnica.
6. Alternativas seguras para obter 127 V a partir de 220 V
6.1 Autotransformadores certificados
A maneira clássica é instalar um autotransformador isolador 220 → 127 V de potência adequada, preferencialmente com proteção térmica e fusível. Embora haja perda de 2-3 %, o investimento compensa se você precisa alimentar poucos equipamentos sensíveis, como geladeira duplex projetada para 127 V.
6.2 Rebalanceamento de fases no quadro
Em residências trifásicas, vale redistribuir cargas para dispor de um circuito exclusivamente 127 V utilizando uma fase + neutro.
O serviço requer eletricista qualificado, mas mantém a instalação em conformidade. Essa prática também equaliza consumo entre fases, reduzindo riscos de sobretensão por desequilíbrio.
6.3 Retirada de circuito dedicado
Se a tubulação permitir, puxe um novo cabo neutro do QDG até a tomada desejada.
Para correr dentro da norma, use condutor de mesma seção que a fase, isolamento 750 V e cor azul-claro. Esse costuma ser o melhor custo-benefício em condomínios recentes.
7. Boas práticas e conformidade com a NBR 5410
7.1 Seção mínima e identificação de condutores
A norma exige 2,5 mm² para circuitos de tomadas, independentemente de tensão.
Neutro deve ser azul-claro, terra bicolor verde-amarelo. Trocar funções é infração grave em laudos de inspeção NR 10.
7.2 DR obrigatório
Todos os circuitos que atendam áreas internas, externas, banheiros e cozinhas devem possuir DR ≤ 30 mA.
Se houver múltiplos DRs, cada um precisa monitorar ambos os condutores ativos do respectivo circuito – algo impossível quando o usuário insiste em usar o terra como neutro.
7.3 Procedimento de inspeção
- Desligue geral no quadro.
- Medição de continuidade do PE com megôhmetro.
- Sequência de condutores (fase, neutro, terra) em cada ponto.
- Teste funcional do DR utilizando botão “TEST”.
- Medição de resistência de aterramento com terrômetro (método da queda de potencial).
- Análise termográfica de quadros em carga plena.
- Emissão de laudo com recomendações de adequação.
Checklist rápido:
- DR desarma? Ótimo.
- Cores dos cabos corretas? Verifique.
- Nenhum condutor de proteção carregado? Use alicate amperímetro.
- Tomadas de 127 V conectadas a neutro real? Confirme.
- Sistema de aterramento ≤ 10 Ω? Ideal em residências urbanas.
FAQ – Perguntas frequentes sobre usar o terra como neutro
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Posso usar o terra como neutro apenas temporariamente?Não. Mesmo por poucos minutos, a circulação de corrente no PE já elimina a proteção diferencial. 
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E se instalar um DR antes da “gambiarra”?O DR irá disparar imediatamente, forçando-o a ser removido – portanto não resolve. 
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Qual a multa por não seguir a NBR 5410?No Brasil não há multa direta, mas seguradoras podem recusar indenização e corpo de bombeiros pode negar AVCB. 
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Se o fio terra for do mesmo calibre do neutro, está seguro?Não. A questão não é bitola, mas sim função: PE não é pensado para condução contínua. 
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Transformador isolador elimina a necessidade de terra?Não. Ele cria circuito flutuante, mas carcaças metálicas ainda devem ser aterradas para drenar correntes de fuga. 
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Por que algumas máquinas industriais usam PEN?Porque são trechos TN-C devidamente calculados e fiscalizados; não confunda com adaptação caseira. 
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Funciona em motor monofásico 127 V?Funcionar até funciona, porém o retorno pelo terra cria tensões perigosas na carcaça. Não faça. 
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Existe exceção em zonas rurais?Também não. Aterramento TT em área rural costuma ter resistência alta, agravando ainda mais o risco. 
Conclusão
Transformar 220 V em 127 V usando terra como neutro pode até acender a lâmpada, mas apaga todos os princípios de segurança. Reunimos aqui as principais lições:
- Neutro conduz corrente de serviço; terra conduz correntes de defeito.
- No sistema TT, resistência de aterramento gera tensão de contato perigosa.
- O DR perde função e/ou desarma sem parar.
- Equipamentos sofrem ruído, falhas e redução de vida útil.
- NBR 5410 proíbe explicitamente a prática.
- Autotransformador, novo circuito ou rebalanceamento de cargas são alternativas seguras.
Está decidido a manter suas instalações profissionais? Não use o terra como neutro.
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Créditos: conteúdo baseado no vídeo “FUNCIONA, mas NÃO FAÇA ISSO! Posso usar o TERRA como NEUTRO na tomada 127V?” do canal Eletricidade Online. Artigo elaborado por redator técnico certificado NR 10.
 
								 
															 
								


